Wesley: Os Pensamentos Inconstantes


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“Levando a cativeiro todo o pensamento para a obediência a Cristo.” (2 Coríntios 10.5)

1. TRARÁ Deus “todo pensamento a cativeiro para a obediência a Cristo”, de modo que nenhum pensamento inconstante caiba em nossa mente, mesmo enquanto permanecemos no corpo? Alguns o têm sustentado com veemência, afirmando mesmo que ninguém será aperfeiçoado em amor, a não ser que em medida igual seja aperfeiçoado no entendimento, de tal forma que todos os pensamentos inconstantes se dissipem;, a não ser que, não apenas toda afeição e toda tendência sejam santas, justas e boas, mas todo pensamento individual que se esboce na mente seja ponderado e sensato.
2. Esta é uma questão de não pequena importância. Porque, quantos dentre os que temem a Deus, e que o amam, talvez de todo seu coração, não se têm afligido por essa causa? Quantos, por não a compreenderem retamente, têm sido não só afligidos, mas ainda grandemente prejudicados em sua alma, apurando — se a raciocínios inúteis, nocivos; retardando sua aproximação de Deus e fraquejando no correr a carreira que lhes estava proposta? Muitos, ainda, pela incompreensão do assunto, afastam o precioso dom de Deus, sendo induzidos, primeiro, a duvidar, e, depois, a negar a obra que Deus tem operado em suas almas; e dai ofenderem o Espírito de Deus, até que este se retire e deixe — os nas trevas mais profundas!
3. Como é que, em meio da abundância de livros que ultimamente setêm publicado sobre quase todos os assuntos, nada “temos, entretanto, sobre os pensamentos inconstantes? Pelo menos nenhum há que satisfaça a um espírito calmo e refletido para de algum modo preencher tal lacuna, tomo o encargo de inquirir:
I. Quais são as várias espécies de pensamentos inconstantes?
II. Quais são as causas gerais desses pensamentos?
III. Quais os que são pecaminosos e quais os que o não são?
IV. Quais são os de que podemos esperar libertação e podemos orar para o conseguir?

I. Quais são as várias espécies de pensamentos inconstantes?

1. Proponho — me investigar, primeiro, quais são as diversas espécies de pensamentos inconstantes: As espécies particulares são inumeráveis; mas, em geral, eles são de duas espécies: pensamentos que se desviam de Deus e pensamentos que se desviam do ponto especial que tenhamos sob os olhos.
2. Em relação aos primeiros; todos “Os nossos pensamentos são naturalmente dessa espécie, porque eles “estão continuamente desviando — nos de Deus: nada pensamos acerca de Deus; Ele não está em todos os nossos pensamentos; estamos, todos e cada um, como observa o apóstolo, “sem Deus no mundo”. Pensamos naquilo que amamos, mas não amamos a Deus. Por isso não pensamos nele. Ou, se uma ou outra vez, somos constrangidos a pensar nele por algum tempo, como não temos, entretanto, prazer nisso e, demais, como aqueles pensamentos nos são não só insípidos, mas desagradáveis e enfadonhos, deles nos desviamos tão depressa quanto podemos, e voltamos ao que amamos para nisto Pensar. Assim é que o mundo e as coisas do mundo; que chamamos comer, que chamamos beber, que chamamos vestir, que podemos ver, que podemos ouvir, que podemos ganhar; com que podemos deleitar — nossos sentidos ou nossa imaginação — monopolizam todo nosso tempo e absorvem todos, os pensamentos Enquanto, pois, amamos o mundo, isto é, enquanto permanecemos em nosso estado natural, todos os nossos pensamentos, da manhã à noite e da noite ao amanhecer, não são outra coisa se não pensamentos inconstantes.
3. Multas vezes, porém, estamos não somente “sem Deus no mundo”, mas também lutando contra Ele. Como em todo homem, há, por natureza, a “mente carnal”, que é inimizade contra, Deus”, nada de admirável existe, portanto, no fato de os homens se excederem em pensamentos de incredulidade, já dizendo em seu coração: “Não há Deus”, já discutindo, “senão negando; seu poder ou sua sabedoria, sua misericórdia, ou justiça, ou Santidade. Nada há que admirar se eles tão freqüentemente duvidam de sua providência ou, pelo menos, da extensão dessa providência a todos os eventos; ou que, embora a reconheçam, ainda entretêm pensamentos de queixa ou de descontentamento. Relacionando-se muito de perto com tal atitude e a ela se associando com freqüência, surgem as imaginações orgulhosas e vãs. Mais: algumas vezes eles são tomados de pensamentos de ira, malícia ou vingança; outras vezes, de cenas imaginárias de prazer, seja sensual ou mental; graças a esses pensamentos, a mente terrena, sensual, se toma ainda mais terrena e sensual. Por tudo isso movem surda campanha contra Deus: são pensamentos inconstantes da pior espécie.
4. Amplamente diferentes desta são as outras espécies de pensamentos inconstantes, nos quais o coração não se desvia de Deus, mas. o entendimento se desgarra do ponto particular a que se devia ater. Por exemplo: ponho — me a considerar às palavras do versículo que precede ao texto: “as armas de nossa milícia não são carnais, mas poderosas em Deus”. Penso: este deve ser o caso em relação a todos os que são chamados cristãos. Como, entretanto, as coisas se param de modo diverso! Olhai em tomo para quase todas as partes. do que se chama omundo cristão. Que espécie de armas estão os crentes usando? Em que espécie de guerra se acham empenhados – “Enquanto os homens, quais demônios, urus aos outros se despedaçam, Em toda a raiva Infernal da guerra”?
Vede como esses cristãos se amam uns aos outros! Neste ponto são eles preferíveis aos sarracenos ou pagãos? Que abominação se poderia encontrar entre os muçulmanos ou pagãos, que se não encontrem também entre os cristãos? E assim a mente se me desgarra, antes que eu o perceba, de uma para outra circunstância. Ora, tudo isso constitui, em algum sentido, inconstância de pensamento, porque, embora este não se desvie de Deus, e muito menos lute contra Ele, todavia se afasta do ponto particular em que eu tinha em vista fixá-la.

II. Quais são as causas gerais desses pensamentos?

Assim como é a natureza, assim (para falar a linguagem corrente, em vez da linguagem filosófica), serão as várias espécies de pensamentos inconstantes. Mas, quais são as causas gerais desses pensamentos? Isto passaremos, em segundo lugar, a expor.
1. É fácil observar que as causas da primeira espécie de pensamentos — os que se opõem a Deus ou dele se desviam — são, em geral, as tendências pecaminosas. Por exemplo: por que Deus não está em todos os pensamentos e em cada pensamento do homem natural? Por uma simples razão: seja ele rico ou pobre, letrado ou inculto, é um ateu; (embora não vulgarmente assim chamado); ele nem conhece, nem ama a Deus. Por que seus pensamentos estão continuamente correndo em pós do mundo? Porque é um idólatra. Na verdade não adora imagens, nem se encurva ante um tronco de árvore; entretanto, incorre em idolatria igualmente condenável: ama,

isto é, rende culto ao mundo. Busca a felicidade nas coisas que se vêem, nos prazeres que perecem pelo uso. Por que perpetuamente estão seus pensamentos desgarrando-se da própria finalidade de seu ser — o conhecimento de Deus em Cristo? Porque é um incrédulo; porque não tem fé, ou, pelo menos, não tem mais fé do que o demônio. Assim, todos esses pensamentos inconstantes fácil e naturalmente resultam de uma perversa raiz de incredulidade.
2. O caso é o mesmo à luz de outros exemplos: o orgulho, a ira, a vingança, a vaidade, a cobiça, a ambição, cada um destes males ocasiona pensamentos consentâneos com sua própria natureza E assim acontece em relação a toda tendência de que. a mente humana é capaz. As particularidades são difíceis de enumerar — e nem isto é necessário que se faça: basta observar que, tantas tendências más encontram abrigo em toda alma faça: basta observar que, tantas tendências más encontram abrigo em toda alma quantos, são os caminhos pelos quais a alma se afasta de Deus pela pior espécie de pensamentos inconstantes
3. As causas da primeira espécie de Pensamentos inconstantes são extraordinariamente numerosas: “grande parte deles são ocasionados pe1a natural união da alma com o corpo. Quão imediata e profundamente é o entendimento afetado por uma doença do corpo! Basta que o sangue irrigue irregularmente o cérebro para que termine todo pensamento normal. Segue — se loucura furiosa; e então adeus, pensamento sereno! Sim, basta que a alegria se inflame ou se agite em certo grau, para que a loucura transitória, o delírio, impeça: todo pensamento refletido. E, a mesma irregularidade de pensamento, em certa medida, não é ocasionada por qualquer distúrbio nervoso? Assim, “o corpo corruptível oprime a alma e faz que esta pense muitas coisas”.
4. Mas isto se dá somente em ocasião de doença ou de perturbação morbosa? Não, mas, em todos os tempos, em escala maior ou menor, mesmo quando haja perfeita saúde. Que o homem seja de boa saúde — ainda assim, ele mais ou menos será, como delirante uma vez em cada espaço de vinte e quatro horas. Ora, ele não dorme? E, enquanto dorme, não está sujeito a sonhar? E quem é então senhor dos próprios pensamentos, ou será capaz de preservar a ordem ou a coerência entre eles? Quem poderá então mantê-los fixos num ponto, ou evitar que eles errem de pólo a pólo?
5. Suponha-se que estejamos despertos: estaremos sempre tão despertos que possamos governar perfeitamente nossos pensamentos? Não estamos inevitavelmente expostos aos extremos contrários, pela própria natureza desta máquina – o corpo? Algumas vezes estamos demasiadamente entorpecidos, demasiadamente pesados e lânguidos para seguir determinada cadeia de pensamentos. Outras vezes, por outro lado, estamos demasiadamente vibrantes. A imaginação, sem pedir licença, corre para diante para trás e leva — nos daqui para acolá, quer queiramos, quer não; e tudo isso meramente pelo movimento natural das excitações ou da vibração dos nervos.
6. Mais ainda: quantos desvios do pensamento podem resultar das varias associações de nossas idéias, feitas inteira-mente sem nosso conhecimento e independentemente de nossa escolha? Como se fazem essas associações, não podemos dizê-lo; entretanto elas se formam de mil modos diversos. Nem está nas mãos do mais santo dos homens romper essas associações ou impedir aquilo que constitui suas necessárias conseqüências e em ser matéria de observação diária. Toque o fogo somente a ponta do estopim — e ele imediatamente alcançará a outra extremidade.
7. Outra observação: fixemos nossa atenção, em estudo tão atento quanto pudermos, sobre um dado assunto; se surgir algum prazer ou pena, especialmente se for de certa intensidade, nossa atenção será imediatamente desviada, sendo nosso pensamento arrastado por esse prazer ou por essa dor. Interromper-se-á a mais profunda contemplação, desviando — se a mente de seu objeto favorito.
8. As ocasiões de pensamentos inconstantes partem do íntimo, sendo operadas por nossa própria natureza. Elas também se levantarão, todavia, natural e necessariamente, dos vários estímulos dos objetos exteriores. Aquilo que fere algum órgão dos sentidos — os olhos ou os ouvidos — provoca uma percepção mental. Conseqüentemente, aquilo que vemos ou ouvimos quebrará nossa primitiva cadeia de pensamentos. Todo homem, pois, que faz alguma coisa à nossa vista ou diz alguma coisa a nossos ouvidos, ocasiona um desvio maior ou menor em nossa mente, tirando-a do ponto com que antes estava preocupada.
9. E não há dúvida que os espíritos maus, que estão constantemente buscando a quem possam tragar, servem — se de todas as ocasiões mencionadas para nos confundir e distrair a mente. Algumas vezes por um, outras vezes, por outro desses meios, eles nos fustigam e nos atormentam, e, na medida que Deus permite, interrompem nossos pensamentos, especialmente quando estes se acham empenhados em melhores assuntos. Nem isto é de todo estranho: eles bem conhecem as próprias fontes do pensamento e sabem de qual dos órgãos corporais a imaginação, o entendimento e todas as demais faculdades da mente mais imediatamente dependem. E daí eles sabem que afetando de certa maneira esses órgãos, afetam as operações que dependem deles. Aduza-se a isso que os maus espíritos podem infundir um milhar de pensamentos, sem qualquer dos meios precedentes, sendo tão natural ao espírito atuar sobre o espírito como à matéria agir sobre a matéria. Consideradas estas coisas, não podemos admirar-nos de que nosso pensamento se desgarre com tamanha freqüência do ponto que tínhamos em vista considerar.

III. Quais os que são pecaminosos e quais os que o não são?

1. Que espécie de pensamentos inconstantes são pecaminosos ou não o são — é o terceiro ponto a ser investigado. E, primeiro, todos os pensamentos que se desviam de Deus,que lhe não reservam lugar na mente, são indubitavelmente pecaminosos. Porque tudo isso implica em ateísmo prático — e por esta causa estamos sem Deus no mundo. E muito mais o são todos os que se mostram contrários a Deus, os que implicam em inimizade ou oposição a Ele. Tais são todos. os pensamentos de murmuração, de descontentamento, que na realidade dizem: “Não queremos que nos governes”; todos os pensamentos de incredulidade em relação a seu ser, seus atributos ou sua providência. . Quero dizer sua providêncIa particular sobre todas as coisas, assim como sobre todas as pessoas do universo; providência sem a qual “nem um pardal cal sobre o solo”, pela qual até “os nossos cabelos estão todos contados”; porque, quanto à providência geral, (vulgarmente assim chamada), distinguindo-se de uma providência particular, é somente uma expressão decente, sonora, mas que nenhum significado possui.
2. Mais: todos os pensamentos que defluem das tendências pecaminosas são inegavelmente pecaminosos. Tais são, por exemplo, os que decorrem de um caráter vingativo, do orgulho, da concupiscência ou da vaidade. “Uma árvore má não pode dar bons frutos”; portanto, se a árvore for má, assim também devem ser os seus frutos.
3. E assim devem ser os que produzem ou alimentam qualquer tendência pecaminosa; aqueles que dão lugar ao orgulho ou a vaidade, à ira ou ao amor do mundo, ou confirmam e incrementam aquelas ou quaisquer outras inclinações ímpias, paixões ou afeições. Porque não somente o que procede do mal é mau, mas também o é o que conduz ao mal, o que tende a afastar a alma de Deus e torná-la ou conservá-la mundana, sensual e diabólica.
4. Daí, mesmo os pensamentos que são ocasionados pela fraqueza ou doença, pelo mecanismo natural do corpo ou pelas leis da união vital, por mais inocentes que possam ser em si mesmos,tornam — se, não obstante pecaminosos, quando produzem, estimulam ou aumentam em nós qualquer pendor pecaminoso, como, por exemplo, a cobiça da carne, a cobiça dos olhos ou a vaidade da vida. Do mesmo modo, os pensamentos incons- tantes que são ocasionados pelas palavras e ações de terceiros, se eles causam ou alimentam qualquer disposição má, então, começam a ser pecaminosos. Os mesmos podemos observar em relação aos que são sugeridos ou inoculados pelo diabo. Quando tais pensamentos servem a qualquer tendência terrena ou demoníaca (o que fazem, se damos lugar a eles e por este meio deles nos assenhoreamos), então vêm a ser, igualmente, tão pecaminosos como as tendências a que servem.
5. Mas, abstraindo-nos desses casos, os pensamentos inconstantes, no último sentido da palavra, isto é, os pensamentos graças aos quais nosso entendimento se desgarra do ponto que tinha em vista considerar, não são mais pecaminosos do que o movimento do sangue em nossas veias ou dos humores em nosso cérebro. page4image24384page4image24592page4image24800page4image25008page4image25216page4image25424page4image25632page4image25840page4image26048page4image26256page4image26464Se eles procedem de uma constituição enfer-miça ou de alguma fraqueza ou distúrbio acidental, são tão inocentes como o fato de ter-se uma constituição fraca ou Um organismo combalido. E certamente ninguém duvida de que o mau estado dos nervos, a febre de qualquer caráter e mesmo um delírio passageiro ou crônico, seja consistente com a perfeita inocência. Se essas perturbações se manifestarem em uma alma que esteja unida a um corpo enfermo, seja pela relação natural da alma com o corpo ou por quaisquer alterações que, aos milhares, possam ocorrer nos órgãos que servem ao pensamento, este, será, em qualquer daqueles casos, tão perfeitamente inocente como as causas de que decorre. Assim são os pensamentos que resultam da associação fortuita, involuntária, de nossas idéias.
6. Se nossos pensamentos fogem do ponto que lhes estava proposto, por meio de outros homens que de vários modos afetam nossos sentidos, tais pensamentos são ainda igualmente inocentes, porque não há maior pecado em entender o que vejo ou ouço, e que em muitos casos não posso deixar de ver, ouvir e entender, do que no fato de eu possuir olhos, e ouvidos. “Mas se o diabo inculca pensamentos inconstantes, estes pensamentos não são maus?” Eles são perturbadores e, neste sentido, são maus; mas não são pecaminosos. Não sei que ele tenha falado a nosso Senhor em voz audível; ta1vez houvesse falado Somente a seu coração, ao dizer: “Todas estas coisas te darei se, prostrado, me adorares”. Mas, quer tivesse falado interior ou exteriormente, nosso Senhor indubitavelmente ouviu o que lhe disse o maligno. Teve, pois, pensamentos correspondentes àquelas palavras. Mas estes pensamentos foram pecaminosos? Sabemos que não foram. Nele não havia pecado, nem em ação, nem em pa1avra ou pen- samento. Nem há pecado em um milhar de pensamentos da mesma” espécie, que Satanás pode inculcar em qualquer dos seguidores de nosso Senhor.
7. Segue-se que nenhum desses pensamentos inconstantes (conquanto pessoas inconsideradas afirmem ter sido afligidas por causa deles, quando o Senhor os não af1igiu), é inconsistente com o perfeito amor. Na verdade, se o fosse, então não só as dores cruciantes, mas até o próprio sono, seriam também inconsistentes com aquele amor, porque, sobrevindo essas coisas, qualquer que fosse o objeto em que pensássemos, nosso pensamento se interromperia e vertiginosamente seria encaminhado para outro rumo: e ainda o próprio sono, por ser um estado de insensibilidade e estagnação, daria lugar a esse resultado, já que geralmente se associa a pensamentos que vagueiam sobre a terra, desordenados, selvagens e incoerentes. Todavia, esses pensamentos são consistentes com o perfeito amor: e assim o são todos os pensamentos inconstantes dessa espécie.

IV. Quais são os de que podemos esperar libertação e podemos orar para o conseguir?

1. Do que se tem observado, é fácil dar clara resposta à. última pergunta: De que espécie de pensamentos inconstantes podemos esperar ser libertados e orar neste sentido?
Da primeira espécie de pensamentos inconstantes — aqueles pelos quais o coração se desvia de Deus; de todos que são contrários à sua vontade ou” que nos deixam sem Deus no mundo, o que é aperfeiçoado em amor indubitavelmente se liberta. Tal libertação podemos, portanto, esperá-la; por essa libertação podemos e devemos orar. Os pensamentos inconstantes dessa espécie implicam em incredulidade, senão em inimizade para com Deus; mas Ele destruirá a uma e outra e porá fim completo a todos eles. E, realmente, de todos os pensamentos que são pecaminosos, seremos absolutamente libertados. Todos os que são aperfeiçoados em amor serão libertados deles; de outro modo não seriam salvos do pecado. Os homens e os demônios os tentarão por todos os meios; mas não poderão prevalecer.
2. Em relação à última espécie de pensamentos inconstantes, o caso é muitíssimo diferente. Enquanto a causa não for removida, não podemos com boas razões esperar que cessem Os efeitos. Mas as causas ou ocasiões de tais pensamentos permanecerão enquanto permanecermos no corpo. Enquanto isto se verificar, temos toda razão para crer que os efeitos também permanecerão.
3. Para focalizar o assunto de modo mais particular: suponha-se que uma alma, embora santa, habite um corpo combalido; suponha-se que o cérebro esteja completamente desorganizado, de modo que a esse estado suceda furiosa loucura; tOdos os seus pensamentos não serão selvagens e desconexos, enquanto durar aquela desordem? Suponha-se que uma febre ocasione essa loucura temporária, que chamamos “delírio”, pode haver qualquer concatenação de pensamentos enquanto o delírio não for debelado? Sim, suponha-se que o que se chama “perturbação nervosa” chegue a tão alto grau, que determine, no mínimo, um estado de semiloucura; não haverá, então, milhares de variações de pensamento? E esses pensamentos disparatados não devem continuar, enquanto subsistir a desordem que os determina?
4. O caso não será o mesmo em relação aos pensamentos que se formulam sob a ação de dores violentas? Eles mais ou menos continuarão, enquanto durarem aquelas penas, e isto por inevitável imposição da natureza. Tal imposição, de igual modo, prevalecerá, nos casos em que os pensamentos sejam conturbados, fragmentados ou interrompidos por qualquer defeito de apreensão, juízo ou imaginação, oriundo da constituição natural do corpo. E quantas interrupções podem resultar da inexplicável e involuntária associação de nossas idéias! Todas elas são, porém, direta ou indiretamente causadas pela pressão feita sobre a mente pelo corpo corruptível. Nem podemos, entretanto, esperar que elas sejam removidas, até que “este corpo corruptível seja revestido de incorrupção”.
5. Somente então, quando dormirmos no pó, seremos libertados dos pensamentos inconstantes ocasionados por aquilo que vemos e ouvimos, em meio daqueles que nos rodeiam. Para evitar Isto seria necessário sairmos do mundo, porque, enquanto per-manecermos nele, enquanto homens e mulheres estiverem à volta de nós, e tivermos olhos para ver e ouvidos para ouvir, as coisas que vemos e ouvimos diariamente por certo que nos afetarão a mente, e mais ou menos quebrarão e interromperão a seqüência de nossos pensamentos.
6. Enquanto os espíritos maus errarem para diante e para trás em um mundo miserável, desordenado, eles assaltarão (quer possam prevalecer, quer não possam), a todo habitante da carne e do sangue. Perturbarão mesmo àqueles a quem não possam destruir: atacarão ainda que não consigam vencer. E dos ataques de nossos infatigáveis, incansáveis inimigos, não devemos esperar inteira libertação, até que sejam alojados lá “onde os maus cessam de perturbar e onde os fatigados estão em repouso”.
7. Para resumir tudo: esperar libertação dos pensamentos inconstantes que são ocasionados pelos maus espíritos é o mesmo que esperar que” o diabo morra ou adormeça: ou, pelo menos, não mais vagueie em torno, como leão rugidor. Esperar libertação dos que são ocasionados por outros homens, é o mesmo que esperar que estes sejam cortados da terra ou que sejamos absolutamente segregados do meio deles e com eles não tenhamos nenhum contacto; ou que, tendo olhos, não vejamos, nem ouçamos com nossos ouvidos, mas sejamos tão insensíveis como paus ou pedras. E orar pela libertação dos pensamentos ocasionados pelo corpo é com efeito, orar por que deixemos o corpo; de outro modo seria orar por impossibilidades e absurdo — orando por que Deus reconcilie contradições, por que continue nossa união com o corpo corruptível, sem as conseqüências naturais, necessárias, dessa união. É como se nós orássemos por que fôssemos ao mesmo tempo anjos e homens, mortais e imortais. Não! Mas, quando vier a imortalidade, esvair-se-á a mortalidade!
8. Oremos, antes, com o espírito e o entendimento, para que todas essas coisas possam cooperar para nosso bem; para que possamos suportar todas as enfermidades de” nossa natureza, todo os tropeços ocasionados pelos homens, todos os assaltos e sugestões dos maus espíritos, saindo em tudo “mais do que vencedores”. Oremos para” que possamos ser libertados de todo pe-cado; para que sua raiz e seus ramos sejam destruídos; para que sejamos “purificados de toda contaminação da carne e do espírito”, de toda tendência, palavra ou obra má; para que Possamos “amar o Senhor nosso Deus de todo nosso coração, de toda nossa mente, de toda nossa alma, e de toda nossa força”“; para que todos os frutos do Espírito se encontrem em nós — não somente o amor, o gozo e a paz,
mas também “longanimidade, doçura bondade, fidelidade, mansidão, temperança”. Oral para que todas estas coisas possam florescer e abundar, possam multiplicar — se em cada um de vós cada vez mais, até que uma entrada franca vos seja proporcionada no reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo!
 


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